quinta-feira, 7 de maio de 2020

Eu quero uma casa no campo...

Nasci e cresci em Coimbra.
Junto ao ramal da Lousã, perto de todos os acessos ao hospital, estrada da beira, shoppings, escolas.
Tinha vários autocarros que me serviam, tinha tudo perto, tinha o barulho da cidade e, enquanto houve comboio, ele passava de hora a hora na minha janela. Eu já não o ouvia.
Desde que me lembro de ser pessoa, não sei ao certo desde que idade, que enchia o coração de empatia e bondade no verão, naqueles dias que corriam na praia de Afife, em Viana, em Caminha, em Cerveira, em Vigo... Aí entendia que viver era uma coisa ainda mais deliciosa, porque, em casa canto, todos nos tratavam com carinho e com orgulho nas suas raízes.
Mais tarde, conheci Lisboa de lés-a-lés, ou deverei dizer «de pés-a-pés», com a minha mãe.
E apaixonei-me por aquele movimento, aquelas diferenças todas juntas, o acesso a dezenas de teatros, espetáculos, museus. Os ateliers de artistas e de estilistas, a imensidão do Tejo e uma luz sem igual.
Achava que, um dia, teria, obrigatoriamente, de passar por ali uns tempos.
Depois veio a oportunidade de fazer a viagem com que sempre sonhara. 3 meses no Brasil. E se o «Rio de Janeiro» continua lindo… Entendi que seria só para férias. Mas ao chegar a São Paulo, oh yeah, o coração acelerou. O movimento, todas as culturas, um sentimento cosmopolita depois de semanas numa cidade que vive de estereótipos e imagem. Outra paixão. Outro sítio a voltar, por uns tempos, se possível.
Mas chegou a altura de me pôr ao caminho. E, de regresso a casa, o trabalho esperava-me na Mealhada.
Saí de casa dos meus pais e, depois de viver num apartamento minúsculo mas maravilhoso na Carlos Seixas, num 4.º andar de um prédio super antigo, mas super aconchegante, mudei-me para a Quinta da Várzea, de frente para a ponte. O barulho dos carros era um aconchego, mas o acesso rápido ao Parque Verde trazia toda uma nova dimensão. Uma cidade diferente, onde conseguia chegar a pé à Baixa sem demorar assim tanto, onde estava a 2 minutos de carro de tudo, mas perto de novos espaços que me faziam feliz.
E, depois de 2 anos a fazer diariamente a Estrada Nacional, com frio, com calor, com chuva, com vento, com trovoada, com imeeeeenso trânsito para sair de Coimbra, com imeeeeenso trânsito para entrar em Coimbra, e depois de entender que também havia uma vida na Mealhada, com outro ritmo, com outros horários, mas perfeitamente viável, e com outro custo, comecei a pensar em mudar-me.
E é aqui que a minha vida dá uma volta de 180º e descubro que o coração me traz, mesmo, para aqui. Não na Mealhada, onde trabalho e onde a minha filha está na escola, mas em Anadia.
Esta é a minha vista, e estas árvores do 1.º plano são nossas.


Nunca na vida tinha apanhado figos, ameixas, pêssegos, peras, ou louro para o pôr a secar. E hoje, com a chegada da primavera, é ver as árvores a florir, é ir ver como está a fruta, é esperar pelo verão para apanhar figos e ameixas, é ter como banda sonora os passarinhos, que vão desde andorinhas, pegas, rolas, corvos… E, no inverno, tratar das árvores, cortar os galhos para fazer lenha.
É passar a tratar por tu aranhas e sardaniscas, proteger as abelhas e pedir a alguém próximo se nos dá uns limões ou umas laranjas e, na troca, deixar um cesto de figos.
Se já dizia há uns tempos que não voltaria a viver na cidade, enquanto tivesse tudo o que precisava aqui, depois de 60 dias em casa não posso dizer outra coisa.
A paz de viver aqui, os espaços verdes e amplos onde podemos circular, onde as miúdas podem brincar, e a privacidade que temos, não as trocaria por nada.
Aqui, com as miúdas, quase consigo viajar para os tempos em que brincava na rua da minha avó, com os miúdos dos outros prédios, e ainda não havia não sei quantos carros por prédio, e cada pessoa tinha o seu jardim tratado e cuidado, também com várias flores, árvores de fruto, e também muitas abelhas.
São 09h18, a brisa ainda é fresca e traz consigo o cheiro da alfazema e do jasmim que cresce aqui ao lado.
Hoje vai estar muito calor e, certamente, as miúdas vão andar a tomar banho de mangueira, como tantas vezes tomei no pátio dos meus pais.
E vão espreitar as galinhas da vizinha, que são as mais bonitas que já vi na vida. Limpinhas, enormes e vaidosas, além do Sr. Galo, que é um verdadeiro galã.
E mais tarde, quiçá, vamos a casa do avô apanhar laranjas e limões.