quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O dia em que pensei que a podia perder.

No dia em que ela ia entrar para o bloco operatório, às 7h da manhã, estava em pânico. “Sim, mãe, vai correr tudo bem! Vamos estar à tua espera no recobro quando acordares da anestesia.”
Este foi o momento, primeiro e único, que o medo se apoderou de tal forma que pensei que a podia perder.
O meu irmão do outro lado do oceano há quinze dias, sozinho, numa casa com 10 marmanjos e caído numa das cidades mais perigosas do mundo.
O meu pai, o meu doce e sensível pai, a mostrar ao máximo a sua força. Também devia estar com muito medo.
Fui para as aulas, de minuto em minuto olhava para o telemóvel na esperança de uma chamada a dizer “a operação acabou, correu tudo bem!”.
Demorou horas. Se calhar nem foram assim tantas as horas, mas parecia um dia inteiro.
O meu pai liga-me, com a voz embargada “filha, é para te dizer que correu tudo bem com a mãe (e o meu coração de passarinho descansou) mas o problema dela não era no útero, depois conto-te (e o meu coração descansou tão depressa como voltou a disparar até à hora em que consegui ir vê-la)”.
Quando cheguei o meu pai chorava de alívio. Entrei, a minha mãe estava irreconhecível, entubada até à testa e meia a dormir. Disse-lhe “mãe, estou aqui. Correu tudo bem.” E ela pergunta-me “porque é que o pai está a chorar?”. Nesse momento só me apeteceu rir. A sério. No meio daquilo tudo, e com a quantidade de sedativos, esta era a pergunta mais genuína e saudável que a minha mãe podia fazer.
Respirei de alívio e, confesso, saí a chorar.
Do diagnóstico à operação foi um tiro. Sendo que, pelo meio, perdi uma avó e o meu irmão emigrou, foi para o outro lado do atlântico, de malas e bagagens sem bilhete de volta. 
É claro que, no dia da operação, com 4 horas de diferença, liguei (ou acordei, vá) o meu irmão, para lhe dar a boa nova.
Mas depois de toda a confusão de ser daqui e depois ser dali, depois de uns centímetros a menos de intestino e de um tumor que já dava para um aperitivo, por mim estava resolvido. Se não tinha sido desta, pois então a doença que se pusesse a pau porque não era só a minha mãe a lutar, éramos muitos a festejar a vida e a celebrá-la.
E o meu feeling deu mais do que certo. Era maligno mas a minha mãe estava limpa. O tratamento que iria fazer era meramente preventivo.
Só que não era assim tão “meramente”. Quimio. A palavra que ninguém quer ouvir. Oral, comprimidos, tudo bem, não cai o cabelo, não se preocupe. Mas com ela mais 18 comprimidos diários para proteger o corpo de tudo. Ainda assim, enjoos, inchaços, impedimento de apanhar sol, reação negativa ao calor e transformações corporais foram acontecendo.
Não foi fácil principalmente para ela. Acho tão difícil partilhar a dor do tratamento. Acho que é tão pessoal que a nós resta-nos apoiar, incentivar, acompanhar e distrair.
E assim têm sido estes três últimos anos, quase quase a acabar. Visitas mensais ao IPO, o abandono dos meus pais por três meses para fazer a viagem da minha vida, o regresso e o aviso “vou sair de casa”, dias de chamadas a dizer “está tudo bem, mas vou ter de levar transfusão”. Dias esses em que voava para o hospital de dia para junto dela, horas e horas entre análises e transfusão. Ajuda dos voluntários para aqui, ajuda aos restantes pacientes que estão em tratamento para ali, conversas com enfermeiras, visitas a algum conhecido que acabava por estar lá internado.
A minha mãe está quase a terminar o tratamento. A minha avó materna safou-se de um na mama. A minha bisavó, quando morreu, era doente do IPO há 80 anos por causa do seu cancro da pele.
O meu avô não foi a tempo. Se calhar, nós não fomos a tempo. Há três semanas.
Hoje é um dos dias mais importantes para mim, para ser assinalado, para ser elemento de transformação nas pessoas.

E hoje, graças à “hipocondriaquice” vs “sou médica, enfermeira e farmacêutica” da minha mãe, estamos todos juntos.

4 comentários:

  1. E eu a pensar que não havia mais nada que me pudesse surpreender!
    Fico contente que esteja tudo bem com a tua mama! E espero que continue tudo bem pelo resto o tratamento. E claro, contigo! Que essas maldades se mantenham longe da minha Mariana que já tem pouco cabelo e não precisa de perder o pouco que tem.
    Alguma coisa, dá uma apitadela.

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  2. Mariana, com tudo o que fica para além das palavras e que cabe num enorme abraço*

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  3. Em grande Mariana, parabéns*

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  4. Mariana, temos de ser tão fortes nesta vida! E estas coisas parecem acontecer às pessoas mais bonitas!
    Beijinhos e muita força para essa família maravilhosa!
    Quanto ao texto? Muito bem escrito, princesa!

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