No dia em que ela ia entrar para o bloco operatório, às 7h
da manhã, estava em pânico. “Sim, mãe, vai correr tudo bem! Vamos estar à tua
espera no recobro quando acordares da anestesia.”
Este foi o momento, primeiro e único, que o medo se apoderou
de tal forma que pensei que a podia perder.
O meu irmão do outro lado do oceano há quinze dias, sozinho,
numa casa com 10 marmanjos e caído numa das cidades mais perigosas do mundo.
O meu pai, o meu doce e sensível pai, a mostrar ao máximo a
sua força. Também devia estar com muito medo.
Fui para as aulas, de minuto em minuto olhava para o
telemóvel na esperança de uma chamada a dizer “a operação acabou, correu tudo
bem!”.
Demorou horas. Se calhar nem foram assim tantas as horas,
mas parecia um dia inteiro.
O meu pai liga-me, com a voz embargada “filha, é para te
dizer que correu tudo bem com a mãe (e o meu coração de passarinho descansou)
mas o problema dela não era no útero, depois conto-te (e o meu coração descansou
tão depressa como voltou a disparar até à hora em que consegui ir vê-la)”.
Quando cheguei o meu pai chorava de alívio. Entrei, a minha
mãe estava irreconhecível, entubada até à testa e meia a dormir. Disse-lhe
“mãe, estou aqui. Correu tudo bem.” E ela pergunta-me “porque é que o pai está
a chorar?”. Nesse momento só me apeteceu rir. A sério. No meio daquilo tudo, e
com a quantidade de sedativos, esta era a pergunta mais genuína e saudável que
a minha mãe podia fazer.
Respirei de alívio e, confesso, saí a chorar.
Do diagnóstico à operação foi um tiro. Sendo que, pelo meio,
perdi uma avó e o meu irmão emigrou, foi para o outro lado do atlântico, de
malas e bagagens sem bilhete de volta.
É claro que, no dia da operação, com 4 horas de diferença,
liguei (ou acordei, vá) o meu irmão, para lhe dar a boa nova.
Mas depois de toda a confusão de ser daqui e depois ser
dali, depois de uns centímetros a menos de intestino e de um tumor que já dava
para um aperitivo, por mim estava resolvido. Se não tinha sido desta, pois
então a doença que se pusesse a pau porque não era só a minha mãe a lutar,
éramos muitos a festejar a vida e a celebrá-la.
E o meu feeling deu mais do que certo. Era maligno mas a
minha mãe estava limpa. O tratamento que iria fazer era meramente preventivo.
Só que não era assim tão “meramente”. Quimio. A palavra que
ninguém quer ouvir. Oral, comprimidos, tudo bem, não cai o cabelo, não se
preocupe. Mas com ela mais 18 comprimidos diários para proteger o corpo de
tudo. Ainda assim, enjoos, inchaços, impedimento de apanhar sol, reação
negativa ao calor e transformações corporais foram acontecendo.
Não foi fácil principalmente para ela. Acho tão difícil
partilhar a dor do tratamento. Acho que é tão pessoal que a nós resta-nos
apoiar, incentivar, acompanhar e distrair.
E assim têm sido estes três últimos anos, quase quase a
acabar. Visitas mensais ao IPO, o abandono dos meus pais por três meses para
fazer a viagem da minha vida, o regresso e o aviso “vou sair de casa”, dias de
chamadas a dizer “está tudo bem, mas vou ter de levar transfusão”. Dias esses
em que voava para o hospital de dia para junto dela, horas e horas entre
análises e transfusão. Ajuda dos voluntários para aqui, ajuda aos restantes
pacientes que estão em tratamento para ali, conversas com enfermeiras, visitas
a algum conhecido que acabava por estar lá internado.
A minha mãe está quase a terminar o tratamento. A minha avó
materna safou-se de um na mama. A minha bisavó, quando morreu, era doente do
IPO há 80 anos por causa do seu cancro da pele.
O meu avô não foi a tempo. Se calhar, nós não fomos a tempo.
Há três semanas.
Hoje é um dos dias mais importantes para mim, para ser
assinalado, para ser elemento de transformação nas pessoas.
E hoje, graças à “hipocondriaquice” vs “sou médica, enfermeira
e farmacêutica” da minha mãe, estamos todos juntos.
E eu a pensar que não havia mais nada que me pudesse surpreender!
ResponderEliminarFico contente que esteja tudo bem com a tua mama! E espero que continue tudo bem pelo resto o tratamento. E claro, contigo! Que essas maldades se mantenham longe da minha Mariana que já tem pouco cabelo e não precisa de perder o pouco que tem.
Alguma coisa, dá uma apitadela.
Mariana, com tudo o que fica para além das palavras e que cabe num enorme abraço*
ResponderEliminarEm grande Mariana, parabéns*
ResponderEliminarMariana, temos de ser tão fortes nesta vida! E estas coisas parecem acontecer às pessoas mais bonitas!
ResponderEliminarBeijinhos e muita força para essa família maravilhosa!
Quanto ao texto? Muito bem escrito, princesa!