quarta-feira, 25 de maio de 2022

Capítulo T1 para 2

 Digam lá que este intervalo não parece aquele de domingo à noite, entre o Ricardo Araújo Pereira dizer «Boa noite, começamos dentro de momentos.» e aqueles 20 minutos muito bem pagos naquele horário?


Bom, ano novo, vida nova, e o maior susto das nossas vidas, que me lembre.

Depois da ida às urgências, na ida à obstetra soube que estava tudo bem. Porém, não estava tudo bem com o bebé, mas sim tudo bem com OS BEBÉS.

DOIS.

GÉMEOS.

Porra!

Caiu-me TUDO. Quando contei ao mê hóme, pensava que eu estava a gozar. Valeu-me ter uma foto única com dois sacos, dois embriões, duas placentas, tudo a dobrar, dentro do meu rico útero.

Como dizia a médica «É uma gravidez que são duas completamente autónomas dentro do mesmo útero.».

Se vos disser, com muitas testemunhas, que passámos o verão a dizer que íamos fazer os gémeos... E aí estavam eles!



Foi um mês sem dormir, a fazer contas à vida. A ouvir toda a gente que «tudo se faz» e a tentar gerir uma dinâmica familiar que iria passar de 4 para 6 pessoas. Trocar carros, uma casa sem quartos suficientes, enxovais a dobrar, despesas atrás de despesas. E, talvez o maior dilema de todos, ter dois bebés a caminho que, afinal, não eram assim tão desejados.

É estranho, mas é isto. Não queríamos gémeos. Não quisemos e continuámos a não querer.

O stress foi tal que, só numa semana, bati 3x com o carro em sítios (felizmente paredes e passeios) que percorro diariamente. 

Tínhamos o coração a sair pela boca, o sono a fugir todas as noites, e contas e mais contas a fazer.

Descobrimos juntos que a vinda de um bebé, ou dois, mesmo que desejada e planeada, podia ter um sabor agridoce. 

As ecos eram semanais, e tudo corria bem. A barriga em dois meses cresceu muito. Era tudo a dobrar, o corpo a responder e a reagir a uma velocidade louca, e nada assimilado. 

Às 12 semanas vimos que 1 deles não tinha desenvolvido. 

Estava no útero, com um tamanho mais reduzido e sem batimentos. 

Querem que vos diga como reagi? 

Com muito alívio. 

Naquele momento, naquela sala de ecografias da maternidade, perdi 20kgs, rejuvenesci e respirei fundo. 

A médica simpatizou com o alívio, sentindo-se também aliviada pela receção da notícia. 

O mais estranho nesta situação foi gerir as reações à nossa volta. A dor ou compaixão que alguns sentiram quando nós nos sentíamos aliviados.

A maior lição foi esta: entender que nem tudo aquilo com que brincamos ou achamos que desejamos nos deixa felizes, e a partilha daquilo que para nós foi um alívio, para aqueles que fazem parte da nossa vida, pode ser uma dor ou uma tristeza que nos parece quase estranha, mas que têm todo o direito a sentir. 

Sei que falamos de uma perda gestacional, que é uma questão muito pessoal e que quase ninguém partilha.

Esta é a nossa história. Diferente das outras todas.

Um dia, uma pessoa muito querida disse-me 

«Atingi todos os meus objetivos de vida, e percebi que nada disso me fez feliz.».



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